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domingo, 19 de setembro de 2010

TEXTO PROCESSOS PSICOLOGICOS - Prof Julio


DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.9  n.1   fev/08                  ARTIGO 01

A mediação da informação,comunicação e educação na construção do conhecimento
The mediation of information, communication and education in the process of the knowledge construction
por Henriette Ferreira Gomes

Resumo: Abordagem sobre a mediação da informação, comunicação e educação no processo de construção do conhecimento, por meio das tecnologias, ambientes e agentes sociais envolvidos na transmissão da informação e na interação a partir da qual se realiza esse processo.
 
Palavras-chave:  Mediação e construção do conhecimento; Informação e Construção do conhecimento; Comunicação e Construção do conhecimento; Educação e construção do conhecimento.
Abstract:  It approaches the mediation of information, communication and education in the process of the knowledge construction by technologies, ambients and social agents involved in the transmission of information and interaction to carry this process out.

Key words: Mediation and knowledge construction; Information and Knowledge construction; Communication and Knowledge construction; Education andKnowledge construction.

  

Introdução
A compreensão de que a informação se constitui em conhecimento comunicado que pode ser retomado no esforço de revisão e reflexão que subsidiam a construção de novos conhecimentos ou reconstrução daqueles já estabelecidos, torna perceptível a sua característica de produto da ação comunicativa que coloca em comum o conhecimento instituído e promove a interlocução necessária ao pensar.

Dentro dessa perspectiva, então, pode-se conceber a comunicação como um processo inerente ao compartilhamento de saberes, procedimento essencialmente caro ao fazer da educação, que dele se vale para apresentar conteúdos informacionais que sustentem as ações de geração do conhecimento, podendo provocar o aparecimento de uma nova informação, quando quem constrói esse conhecimento, fazendo uso da ação de comunicação, o representar por meio das diversas linguagens.

Assim, percebe-se a existência de pontos de confluência entre os campos da Informação, da Comunicação e da Educação quanto à mediação através da qual transcorre o processo de construção do conhecimento, tema focalizado como objeto central da reflexão que se apresenta neste texto.

Mediações no processo de construção do conhecimento
O processo de construção do conhecimento se dá por meio de um movimento complexo, no qual os sujeitos interagem entre si, mas também com as informações, processando-as para, a partir de seus enquadramentos, de suas possibilidades cognitivas, se apropriarem dos conteúdos acessados. Desse modo, o processo de construção do conhecimento, dependente, também, da interação com o acervo simbólico transmitido através de suportes e ambientes que se ocupam da preservação e do acesso aos conteúdos informacionais que subsidiam o desenvolvimento das práticas do conhecer.

Esta etapa subsidiária, que Debray (2000) denominou de transmissão, pode ser compreendida, na perspectiva da Ciência da Informação, como transferência da informação que, conforme González de Gomez (1993) caracteriza-se por um conjunto de ações, por meio das quais os grupos sociais e as próprias instituições organizam e implementam a comunicação da informação.

Assim, pode-se inferir que a transferência e a transmissão da informação, respectivamente no enfoque da Ciência da Informação e da “midiologia”, caracterizam a etapa inicial e subsidiária do processo de construção do conhecimento, na qual ocorre a comunicação dos conhecimentos estabelecidos.
Essa etapa inicial corresponde ao movimento de acesso, constituído de ações de comunicação e de transferência ou transmissão de informações atuando na mediação entre os acervos informacionais, entre o conhecimento estabelecido e os sujeitos que buscam construir conhecimento.

Nas atividades de acesso ao conhecimento estabelecido, ao conhecimento registrado, os educadores, os espaços informacionais e seus agentes são os mediadores que transmitem as informações disponíveis, realizando assim, as práticas informacionais.

Evidentemente o saber apenas se desenvolve a partir de um processo de comunicação, do estabelecimento de prioridades, da tomada de distância em relação ao primeiro contato com a informação, mas também é dependente dos espaços e canais de transferência de informação, assim como dos agentes que neles e com eles atuam e que acabam por mediar a ação comunicativa.

Por outro lado, quando ao final do processo, o conhecimento é gerado e comunicado, tem-se novamente a informação que permite a visibilidade desse conhecimento, por estar contida em um suporte de registro, constituindo assim um documento que representa, conforme Pédauque (2003), um objeto, uma inscrição em um objeto, cujas fronteiras físicas são facilmente identificadas. Também representando um objeto de comunicação regido por regras mais ou menos explicitas que materializam um contrato de leitura entre o autor e o leitor.

Debray (1993, p. 80), ao discorrer sobre o papel dos utensílios, elabora um argumento passível de ser compreendido como definição do lugar do documento na experiência humana. Diz esse autor que,
No homem, o utensílio prolonga o gesto e se desliga dele. Este desligamento, ou esta exteriorização material das faculdades humanas, ‘produzidas’ de certo modo pelo corpo e pondo-se a viver uma vida autônoma em uma sucessão de utensílios e máquinas, define, tanto como a linguagem, o critério de humanidade. Meu cérebro há de morrer, mas não estas notas que decifro diante de vocês, inscritas com tinta sobre o papel que vai durar mais do que eu. [...] O utensílio sobrevive ao órgão. [...] o homem só tem acesso a um começo de imortalidade por suas próteses.
 Portanto, o processo de construção do conhecimento está associado ao conteúdo simbólico da informação e se dá em uma passagem mediada pelos suportes de registro e por uma condição de solidão tanto para o emissor (autor) quanto para o receptor (leitor) da informação. Nesses momentos de passagem a solidão fundamental de todo ser humano é superada, já que neles torna-se possível a interação que permite que o pensamento se materialize na informação e, depois de registrada em um suporte, seja analisada e transformada no processo de construção de um novo conhecimento. (Barreto, 2001).

O conhecimento resulta, assim, de uma ecologia regida pela interação social e os instrumentos de registro, acesso e processamento das informações que representam uma cadeia formada pela inter-relação de conhecimentos antecessores, enfim é um ato humano que se apóia nos recursos tecnológicos de extensão da memória.

Conhecer supõe a presença de sujeitos; um objeto que suscita sua atenção compreensiva; o uso de instrumentos de apreensão; um trabalho de debruçar-se sobre. Como fruto desse trabalho, ao conhecer, cria-se uma representação do conhecido – que já não é mais o objeto, mas uma construção do sujeito. (França, 1994, p. 140).

O conhecimento é privado, enquanto a informação é pública. A informação pode ser transmitida, distribuída, disseminada; mas o conhecimento, por si só, está impedido desse movimento. A sua circulação apenas é possível com a sua representação pela informação. Conforme Le Roy (1997, p. 28)
“Quando se deseja compartilhar um conhecimento, este deve ser traduzido em informações, para que o destinatário possa absorvê-las e transformá-las em conhecimento – se ele quiser.”
Na verdade esta é uma construção coletiva, fruto da interlocução com os diversos “textos”, cujas leituras o sujeito já tenha feito anteriormente. Conforme Bougnoux (1994), o conhecimento é o que nos é possível apreender através de nossos sentidos, de nossa cultura e meios.

No impacto com o real, com o que é dado e apresentado durante uma existência, se recorre ao “acervo” simbólico construído, a partir da memória de experiências pregressas e do aprendizado da cultura, na tentativa de uma elaboração que auxilia na construção de um novo momento de “equilíbrio” frente a esse real. Entretanto, nesse empreendimento, o sujeito também recorre ao imaginário que sustenta seus movimentos perceptivos, os quais buscam encontrar “pistas” indicadoras dos caminhos possíveis da reconstrução do “equilíbrio”.

No esforço de apreensão de algo que se apresenta como novo, como elemento que desestabiliza, recorre-se ao simbólico e ao imaginário a fim de se alcançar novamente uma estabilidade desejada. Quando nas interações com o meio algo emerge, provocando a percepção e gerando algum tipo de perturbação, ou até mesmo quando num movimento recursivo há algum elemento interno que perturba o sujeito, ocorrem mudanças na estrutura do ser, embora tais mudanças sejam decorrentes do próprio processo de recepção ativa, geradora da informação singular.

Nesse sentido é que Mahoney (1998, p. 360) afirma que “[...] a ‘informação’ deve ser traduzida literalmente de sua origem latina: in formare, ‘que se forma a partir de dentro’. Dentre outras coisas, a determinação da estrutrura implica que o conhecimento objetivo é impossível de ser atingido [...]”.

Em síntese, esta afirmação vindica que se admita não haver a possibilidade de se conhecer algo de forma direta. A percepção do mundo não é suficiente para a construção da sua representação no “mundo interior”. Percebe-se o “mundo exterior”, mas somente na ligação do que se percebe com o simbólico e o imaginário é que se pode representar o “mundo exterior”.

A Informação, a Comunicação e a Educação são ativas no processo que assegura o agir de cada sujeito na construção do conhecimento e contribuem para a potencialização da sua capacidade de interpelar, de interferir, de criar e recriar o conhecimento instituído, tanto no seu acervo simbólico singular quanto no plano do acervo simbólico estabelecido socialmente.

A educação formal atua na esfera da transmissão do acervo simbólico instituído, como também da sua reconstrução, especialmente quando se trata do ensino superior. Por meio do processo de transmissão da cultura acumulada pode-se gerar possibilidades de troca de subjetividades em ambientes de interação a partir da qual se torna possível o debate, a exposição dos contrários, as convergências, a visibilidade das impossibilidades e possibilidades, elementos fundamentais na renovação do acervo simbólico socialmente estabelecido.

A interação é um elemento essencial do processo de comunicação e de construção de sentido, correspondendo a um fenômeno sócio-cultural, cujas características são lingüísticas e discursivas e podem ser observadas, descritas, analisadas e interpretadas. A interação não corresponde ao ato de produzir um enunciado para alguém com o objetivo de trocar informações, mas sim a uma ação de organização da fala, de modo a facilitar a compreensão entre os interlocutores. (Brait, 2001).
Desse modo, poder-se-ia identificar o espaço da interação como o espaço de possibilidades de interseção dos ambientes da informação, da comunicação e da educação, como se tenta representar na Figura 1.


Figura 1 - O ambiente da interação na construção do conhecimento: campo de interseção da Informação, da Comunicação e da Educação.


O mundo da cultura é constituído de signos e instrumentos que buscam representar e interferir nos fenômenos que são desvelados a cada sujeito no decorrer de suas experiências. Entretanto, a compreensão desse “mundo da cultura” só ocorre a partir do esforço de aproximação entre o “novo” que se apresenta e os demais signos já conhecidos e incorporados ao nosso acervo simbólico singular. Nesse sentido, Bakhtin (1999, p. 4) afirma que


Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência, individual e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de interação social.


Na perspectiva bakhtiniana, o espaço da interação se constitui no centro das relações sociais, contexto social que é movido fundamentalmente pela interação verbal, portanto, para ele o elemento central da interação é a dialogia que se pauta em três princípios:
a) da sociabilidade (essencial para a intersubjetividade);
b) dos signos (mecanismos de interlocução, de ação, de apoio à ação);
c) da constituição dos sujeitos (da construção de suas identidades) na intersubjetividade e na intra-subjetividade. (Dahlet, 1997)

A partir da enunciação, nosso “mundo interior” entra em conexão com o “mundo exterior”, permitindo a construção de nossas identidades. “O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações, etc.” (Bakhtin 1999, p.112-113).

A atividade mental do sujeito, que Bakhtin (1999, p.61) denomina de introspecção, representa o “discurso interior” constituído de “signos interiores”. No entanto, o sujeito apenas alcança a autocompreensão quando se expõe ao exterior, quando é desvelado e revelado ao outro. Assim, a autocompreensão exige expressão em forma exterior ou quase exterior e somente se dá na medida em que o “signo interior” identifica e transpõe os limites que separam o seu “universo interior” e o “universo coletivo”, experiência na qual se torna possível sua reconstrução e a própria reconstrução coletiva do mundo social no qual está inserido.

Essa ligação complexa está em constante movimento, o que nos coloca sempre frente aos estados permanentes de crise entre “equilíbrio” e “desequilíbrio”. Por sua vez, esse estado de crise é o que move os sujeitos em direção à construção de sua autenticidade que, numa perspectiva sociológica, corresponde à sua capacidade de intervenção, de interpelação, de expressão, enfim de ação frente à vida e ao mundo.

O sujeito se constrói na crise entre “equilibração” e “desequilibração”, num processo de interação com o outro e com o mundo da cultura, que é composto e refeito também pelo instrumental tecnológico, não sendo, portanto, o seu desenvolvimento resultado de sua ação solitária e dos movimentos intra-subjetivos que realiza. Para Bakhtin, até mesmo nossa intra-subjetividade é “povoada” pelas “vozes”, “imagens”, “sons”, “aromas”, enfim, lembranças e marcas de nossa experiência que a todo o momento, consciente ou inconscientemente, interferem no nosso estar no mundo.

Conforme Bakhtin, na interação ativa emerge a possibilidade da significação que:
[...] não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. [...] Só a corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação. [...] A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. (Bakhtin, 1999, p. 132).
Assim, a interação é compreendida como um processo tanto verbal quanto social. Enquanto a enunciação é um produto da interação social, o diálogo é uma forma de interação verbal face a face, embora a interação não esteja restrita ao discurso oral, podendo corresponder também a um ato impresso. (Brait, 2003).

Bakhtin, ao tratar da interação social na qual se constrói sentido, também aborda a dialogicidade presente nas fontes impressas, inclusive de caráter científico, afirmando que:
[...] o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros autores: ele decorre, portanto, da situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção literária. (1999, p. 123).
A interação pode ser considerada como o espaço da produção de sentidos e ainda de manifestação e produção das relações sociais. Dessa forma, ela não se restringirá ao verbal nem tampouco se configurará, necessariamente, apenas na presença física dos interlocutores. Para Bakhtin (1997), a própria compreensão é dialógica e a interação extrapola a presença material dos participantes e a própria idéia de intercâmbio verbal face a face, podendo não ser consensual, admitindo-se, inclusive, que o silêncio pode ser um elemento da interação, relacionado às condições de compreensão do sentido.
Para ele todas as produções verbais, orais ou escritas, devem ser consideradas como réplicas no contexto dialógico, mesmo quando são monológicas e unilaterais.

A dialogia é fundamental na produção de sentido pela condição de elo pelo qual trafegam as idéias e se estabelece o contato fundamental para o ato de conhecer. O conhecimento pode estar registrado em livros ou outros suportes ou não estar materializado, e, qualquer contato com ele se dará na interação por meio do acesso às informações existentes nesses objetos de registros ou na interação com os sujeitos. “É através deste processo dialógico e discursivo que conseguimos conhecer o Outro e os seus pontos de vista, as suas histórias. Aprendemos um enorme acervo de conhecimentos, não só acerca do mundo, mas acerca de nós mesmos, por intermédio do discurso com os Outros.” (Bruner, c1996, p. 128).

Os discursos podem ser constituídos em situações de comunicação verbal espontânea e em textos, sejam esses de caráter de ficção, científico ou de cunho ideológico. Os textos escritos (impressos ou não) surgem em situações de comunicação cultural de maior complexidade.

Ao compreender que qualquer enunciado representa uma unidade de comunicação verbal, admite-se que o seu delineamento é traçado pelo diálogo estabelecido entre os interlocutores que interagem em torno da sua temática. Dentro desta compreensão, Bakthin (1992, p. 293-294) pondera que

Todo enunciado – desde a breve réplica (monolexemática) até o romance ou o tratado científico – comporta um começo absoluto e um fim absoluto: antes de seu início, há os enunciados dos outros, depois de seu fim, há os enunciados-respostas dos outros (ainda que seja como uma compreensão responsiva muda ou como um ato-resposta baseado em determinada compreensão). O locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro.

No diálogo ocorre a alternância de enunciados que denominamos de réplicas. Qualquer que seja a réplica, breve, longa ou fragmentária, sempre apresenta um contorno que expressa a posição do seu autor, podendo receber uma resposta de algum interlocutor. Para Bakthin a qualquer enunciado pode-se desdobrar uma réplica, sendo possível, com relação a ela, tomar uma posição responsiva. Segundo esse autor, “Esta relação só é possível entre enunciados provenientes de diferentes sujeitos falantes. Pressupõe o outro (em relação ao locutor) membro da comunicação verbal.” (1992, p. 294, esclarecimento do autor).

Para acentuar a importância do contexto da interação na instalação das condições tanto do desenvolvimento dos sujeitos singulares quanto do desenvolvimento social e da formação das bases culturais que norteiam ambos, pode-se arriscar uma geometrização, apresentada na Figura 2, na tentativa de assinalar o locus da interação enquanto espaço potencializador da construção das subjetividades e intersubjetividades, assim como de interação entre unidade e multiplicidade, onde as ações de comunicação, de informação e também educacionais se entrelaçam.
Figura 2
Nas ações comunicativas, através de seus recursos tecnológicos, o homem pôde elaborar e verbalizar seu pensamento, apresentando-o exteriormente, e encontrou formas para alcançar e tentar compreender o pensamento de seus semelhantes, de interferir e agir sobre a realidade, na tentativa de transformar o mundo, controlar os eventos que o surpreendem e que provocam o seu desequilíbrio e o seu mal estar no mundo, como também de aprender sobre o mundo e sobre si mesmo.

Conforme Ferreyra, o homem se destaca em relação aos demais seres por sua capacidade de produzir comunicação na interação. “A comunicação se gesta, nasce, cresce, evolui e transforma as pessoas e seus entornos a partir do fenômeno de relação. [...] A atualização do homem efetua-se na cultura e efetiva-se pela comunicação, único meio possível de intercâmbio cultural.” (1998, p. 17-19).

Colocando em foco o ponto de interseção entre os sujeitos sociais, movidos a interagir em função dos eventos com os quais se deparam, pode-se situar também a “voz” de Vygotsky,  que, na perspectiva da corrente sócio-histórica da psicologia destaca que: “A comunicação direta entre duas mentes é impossível, não só fisicamente como também psicologicamente. A comunicação só pode ocorrer de uma forma indireta.” (Vygotsky, 1995, p.128).

Para Vygotsky, , o ser humano, ao construir a linguagem e todos os instrumentos, isto é, seu “acervo tecnológico”, também construiu as condições de interagir com outros de sua espécie, comunicar suas experiências, conhecer o mundo e desenvolver suas funções psicológicas. (Pino Sirgado, 2000, p.32-43). Dentre esse acervo tecnológico pode-se destacar a comunicação oral, a escrita, a leitura e os instrumentos que dinamizam e dão suporte às ações de comunicação e transmissão.

Na comunicação oral a interação entre os interlocutores é fundamental, e sempre se desenvolve em contextos dinâmicos, cuja mudança depende de princípios, convenções e outras restrições decorrentes dos eventos e das ações envolvidas nesse ato. Conforme Dijk (2000, p. 89),
[...] um ato de fala usualmente está encaixado no desenvolvimento da (inter)-ação. [...] Durante a (inter)-ação, a pessoa vai gradativamente construindo os traços relevantes do contexto e as mudanças para os estados contextuais subseqüentes: ela estará consciente não apenas das características globais do contexto social do frame e seus componentes, como também das ações de fato realizadas nesses contextos e frames. Ela então construirá os objetivos e intenções (conhecimentos subjacentes e desejos) dos co-participantes, em particular do falante, e julgará se os objetivos dos atos de fala são compatíveis com as condições iniciais.
Enquanto a comunicação oral representa uma interação direta, na comunicação escrita a interação depende mais prioritariamente do código verbal do que de pistas contextuais, da linguagem gestual, do universo semântico partilhado entre os sujeitos da ação comunicativa e das regras de conversação vigentes. (Kato, 1995).

Por meio da escrita registra-se (materializa-se) o pensamento verbal, que representa a tradução do pensamento em palavras, buscando a sua compactação sintática, num discurso planejado, enquanto o discurso oral não diferencia sintaticamente as informações. Com a apropriação da escrita o homem transforma a linguagem em objeto de pensamento, objetivando o enunciado da comunicação oral de diversas formas e padrões que se diferenciam daqueles usuais na oralidade. Essa transformação
Supõe o isolamento de certas emissões que, pelo próprio fato, são tiradas do uso imediato e transformam-se em objetos opacos, sobre os quais novas atividades intelectuais são possíveis. [...] Além de serem objetos de ação, esses fragmentos de emissões transformam-se em objetos de análise, sobre os quais é possível estabelecer comparações, quer dizer, determinar semelhanças e diferenças que conduzirão a novas categorizações. (Ferreiro, 2004, p. 153).
Além disso, ocorrem transformações no próprio processo de comunicação do conhecimento, de produção da informação. Segundo Barreto (2001), pesquisas realizadas na Universidade de Toronto existem dois tipos de linguagens: a do pensar e a da edição e formatação do texto. Enquanto a linguagem do pensamento apresenta pequenas sentenças compostas de cinco a sete palavras, na edição a linguagem é mais formal, procurando a utilização de padrões normativos e de procedimentos formalizados.

O ato de escrever é uma atividade pragmática porque tem, como qualquer outra atividade humana, uma intencionalidade, uma necessidade ou interesse, enfim, uma finalidade que impõe um plano de ações, a realização de operações e a dependência de um contexto, de uma situação. (Câmara Junior, 2003).

Na comunicação os sujeitos se encontram por meio de códigos buscando aceitação e reconhecimento, o que também pode ser visualizado quando ela é realizada por meio da escrita. O sujeito que se comunica utilizando a escrita sabe que está escrevendo algo que deverá ser lido por alguém, que poderá ou não compreendê-lo, aceitá-lo ou rejeitá-lo.

A relação do ser humano com os processos de escrita está intrinsecamente ligada ao processo de produção do conhecimento e da comunicação, bem como das relações entre os sujeitos e de uma espécie de trama de saber/poder/comunicar, que permeia cada uma destas áreas. (Cardinale Baptista, 1999).

No ato da escrita, para alcançar compreensão e aceitação, o autor do texto procura apoio no produto da comunicação de outros autores. A intertextualidade cria um contexto de fundamentação da “fala” documentada pelo produto da escrita. Assim, ao examinar um texto é comum a constatação de que este reflete a conjunção ou a disjunção de opiniões acerca do tema tratado.
Na perspectiva de Bakthin (1992) todo texto é uma polifonia, ou seja, um conjunto de vozes que se exprime. Essas vozes podem ter sido convocadas intencionalmente pelo autor, enquanto outras podem emergir sem o seu pleno controle. O que mais importa é que essas vozes se articulam, se contrapõem, se legitimando ou se desqualificando mutuamente. Esse contexto interativo, no qual diferentes “vozes” entram em relação foi denominado por Bakthin de dialogismo, tendo destacado ainda que “Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados.” (1992, p. 291)
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A leitura, por sua vez, representa uma tecnologia voltada à análise e interpretação dos textos, com o objetivo de possibilitar a interiorização do pensamento materializado por meio da palavra escrita, num processo de ampliação do próprio pensamento. Assim, a leitura não envolve apenas o estímulo visual, mas também outras informações não visíveis, que estão no universo cognitivo do leitor. (Kato, 1995, p. 82).

Mas, as práticas de leitura passaram por transformações, influenciadas tanto pelo formato e condições materiais dos suportes de registro dos textos quanto pelas sociabilidades próprias de cada tempo histórico. Os leitores manuseiam, percebem e observam o texto através de sua estrutura e por meio do suporte, procedendo à possível compreensão do que é lido. As formas também produzem sentido e a leitura é sempre uma prática constituída de gestos, espaços, movimentos e hábitos que interferem na interpretação.
Por esta razão é que Chartier (1994, 1999) alerta que reconstruir as dimensões históricas do processo de leitura obriga que se considere que a construção dos sentidos também sofre influência das formas pelas quais os textos são recebidos e apropriados por seus leitores.

Além disso, cada leitor tem suas particularidades em relação ao ato da leitura, decorrentes da sua escolaridade, habilidades e expectativas quanto ao conteúdo lido, o que indica que a leitura é um processo de interação dinâmica entre o leitor e o texto, no qual os atos estimulados pelo texto fogem ao controle do próprio texto, dando origem ao surgimento da criatividade no ato da percepção.

A leitura representa uma operação que envolve, mais do que a decodificação de informações, elementos não informativos, relacionados ao prazer que emerge da interação estabelecida entre o leitor e o texto. Como ação humana, a leitura é movida por intencionalidades e marcada pelas potencialidades do leitor, implicando nas lacunas de interpretação, inerentes aos processos humanos.

A superação dessas lacunas apenas se concretiza quando o leitor identifica a dialogia presente no texto e na sua própria leitura. Também Zumthor (2000, p. 74-75) associa a leitura à dialogia afirmando que
[...] porque ela é encontro e confronto pessoal, a leitura é diálogo. A ‘compreensão’ que ela opera é fundamentalmente dialógica: meu corpo reage à materialidade do objeto, minha voz se mistura, virtualmente, à sua. Daí o ‘prazer do texto’; desse texto ao qual eu confiro, por um instante, o dom de todos os poderes que chamo eu. O dom, o prazer transcendem necessariamente a ordem informativa do discurso, que eles eliminam depois. [...] O leitor não pode senão entrar no jogo, confronto gratuito e vital [...]
Na apreensão do código escrito, através da percepção visual, o sujeito pode perceber as lacunas do texto ou de sua própria interpretação, frente à “estabilidade” imposta à informação, que pode ser “manuseada” em movimentos de avanço e retorno às partes do texto, de acordo com as necessidades de cognição desse sujeito.
Conforme Bougnoux (1994, p. 98-99), na leitura do código escrito o sujeito tem o poder de girar em torno da mensagem fixa, desempenhando o papel de receptor ativo, contando com o olho que “[...] tem um poder separador muito superior ao ouvido que é menos analítico e mais sujeito aos valores da harmonia ou síntese. [...] A leitura permite que se volte atrás diferentemente da voz que é unidirecional.”

Mas a leitura dificilmente deixa marcas e a interpretação pode ser realizada de formas diferenciadas por leitores distintos, o quê faz com que os textos apenas existam em decorrência da existência de um leitor que lhes dê um significado. Também a compreensão do texto lido passa pelo manuseio que se altera de acordo com o formato.

As competências e expectativas dos leitores interferem na interpretação dos textos, portanto, inexiste um modelo ou padrão mais adequado para o exercício da leitura. Cada leitor carrega consigo conhecimentos prévios e lacunas que se misturarão às particularidades do contexto em que se efetua a leitura, ao texto e ao próprio formato de registro.
As obras – mesmo as maiores, ou, sobretudo, as maiores – não têm sentido estático, universal, fixo. Elas estão investidas de significações plurais e móveis, que se constróem no encontro de uma proposição com uma recepção. Os sentidos atribuídos às suas formas e aos seus motivos dependem das competências ou das expectativas dos diferentes públicos que delas se apropriam. (Chartier, 1994, p. 9).
Na busca da interpretação, a escrita apóia a visualização das idéias que surgem durante a reflexão. Ao anotar, o sujeito tenta codificar, representar a estrutura do seu pensamento, isto é, representar a base da sua interpretação. Por outro lado, o escrever também auxilia o processo de apreensão da informação na memória.
Segundo Del Nero (1997, p. 341-354), a codificação e a interpretação são etapas da formação de memórias, sendo a primeira um processo de representação da informação captada que facilita a geração de conexões que formam uma teia conceptual no córtex, que representa o conhecimento construído pelo sujeito que interpreta.

Nesse mesmo sentido, pode-se dizer que a visualização das formas e cores e a audição dos sons a partir dos registros visuais e sonoros, agregada à informação escrita gerada a partir do esforço de interpretação dessas informações imagéticas e sonoras, integram o processo de conhecer.

Os recursos tecnológicos para o registro, acesso, disseminação, transmissão e comunicação do conhecimento produzido; os acervos e ambientes que colecionam e/ou dão acesso ao conhecimento comunicado (informação); e os próprios mediadores desse acesso (agentes sociais da Educação, Comunicação e Informação), interagem para a ação de conhecer.

Assim, ao analisar esse complexo cenário, identifica-se a presença de elementos tecnológicos e humanos, envolvidos no registro, disseminação, recuperação, transmissão e processamento das informações, que se inserem, se alternam e se entrelaçam aos sujeitos envolvidos na construção do conhecimento.

Considerações finais
A partir dessa abordagem, conclui-se que a geração do conhecimento representa um processo que demanda ações por meio das quais se pode retomar o conhecimento previamente construído, sobre o qual se reflete acerca das convergências, divergências e incongruências em relação a uma nova informação, o quê conduzirá ao pensamento reflexivo que subsidiará a construção do conhecimento singular, como também daquele que, no consenso, se estabelece como instituído socialmente. O movimento de retomada ocorre na interação que se dá em várias práticas sociais, mas de forma especial em ambientes como os da educação formal.

Por outro lado, no cerne de tais práticas encontra-se o princípio do compartilhamento do conhecimento em processos de interação assegurados pela ação comunicativa, seja ela da comunicação direta (ou informal), seja ela da comunicação indireta (mediada ou formal), possível por meio da informação registrada.

Nesse contexto se verifica, então, a mediação exercida por ambientes, ações, agentes, conteúdos, suportes, recursos tecnológicos, que se articulam na interseção entre a informação, a comunicação e a educação, cujo objetivo é o estabelecimento de estratégias a partir das quais se torna possível a geração de saberes.

Assim, o tema da construção do conhecimento, como também a sua relação com o objeto informação, motiva um olhar mais atento para os pontos de interlocução da Ciência da Informação com os campos da Comunicação e da Educação, de modo que se possa avançar na compreensão da travessia que se traça entre informação, conhecimento e nova informação.

Referências Bibliográficas

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Sobre a autora / About the Author:
Henriette Ferreira Gomes
henriete@ufba.br
Profa. Adjunto do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia.

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